Um desabafo

ó eu aí, bem bebezinho

Esse texto é sobre o meu pai (e, de certa forma, pra ele). Não, ele não vai ler. Quer dizer, muito provavelmente ele nem sabe desse blog (como todo o resto da minha vida), então... Grandes chances de ele não ler, mas se, por algum acaso, isso acontecer: se prepara que lá vem história. (E cuidado, pois pode conter gatilhos de homofobia.)

Eu sempre fui muito diferente de todos os meninos que eu conheci. Talvez o mais próximo deles que eu já possa ter sido se deva a Power Rangers (que, mesmo assim, né...). 

"Por que isso, Jota?", você deve estar se perguntando e, por isso mesmo, lhe respondo: eu era uma criança viada. Eu fazia tudo que não era esperado que meninos fizessem; eu andava de salto, eu dançava rebolando pela casa com a camiseta na cabeça pra imitar a Joelma, eu assistia todos os programas que "não eram de meninos", e eu também não gostava de futebol. O problema de tudo isso é que, hora ou outra, você vai enfrentar situações constrangedoras que você só lembra quão ruim realmente foram quando cresce, quando pode ter a chance de reavaliar a vida e entender sobre si e todos os outros ao seu redor.

"Homem não anda assim", "Homem não se porta dessa forma (dito depois de ter levado um tapa na mão)", entre muitos outros, foram só um pedaço do que eu ouvi crescendo. Entendo o pensamento, entendo que muito disso ainda era em 2005, mas foi ruim. Óbvio que foi ruim, homofobia nunca é uma coisa legal. Mas a gente não entende. Tu é só uma criança, brincando e sendo criança, que do nada houve um "homem não faz isso", como você reage? Você se restringe, você se fecha, você não deixa que o mundo te veja como você realmente é porque seu pai começou com essa onda, depois veio alguns membros da família, depois na escola, e nesse efeito dominó foi e continua indo, a ponto de até quando você se entende e respeita, ainda é complicado só se permitir ser.

Eu já fui drag, eu já questionei o meu gênero, eu já experimentei tudo que eu possa experimentar para chegar mais perto de me entender completa e totalmente, entender como eu quero me expressar e apresentar ao mundo, mas nunca com total liberdade porque nunca pude fazer o que eu queria sem medo de ouvir essas coisas de novo.

E, assim, eu fiz tudo isso, inclusive me assumir pro meu pai, construindo um caminho com diversas pedras pesadas, das pedras mais bonitas e lapidadas, acreditando fielmente que eu podia estar livrando ele do preconceito dele (nem que só um pouquinho), que ele estava melhorando — tanto que eu até já falei disso antes —, que ele me aceitaria e abraçaria como filho, entendendo que me amar é não "independente de qualquer coisa", mas me amar é me amar por conta de todas as coisas que me fazem eu.

Conversas e debates sobre sexualidade, sobre gênero, sobre termos corretos e ofensivos para membros da comunidade LGBTQ (e outras comunidades), tudo depositando a minha confiança nele. O que ele quebrou diversas vezes, mas eu tentei diversas vezes mais também (parte, também, pela minha mãe. Abençoada seja). Até que chegou 2018.

Ele nunca me pediu desculpas antes. Nunca mesmo. Mas tivemos uma briga bem tensa sobre quem viria a ser presidente e eu falei, como tantas outras vezes, quais as minhas preocupações (que vieram a se realizar, como eu bem ressaltei que iriam) de um homem como aquele assumir um cargo tão estimado e tão sério como o de Digníssimo Senhor Presidente. Eu chorei, eu berrei, eu nunca perdi minhas estribeiras como naquele dia. Depois, ele pediu desculpas e afirmou que não votaria nele — o que eu tenho minhas dúvidas, mas isso não vem ao caso.

Pula mais alguns meses e lá está ele defendendo o cara com unhas e dentes, afirmando-o como um excelente chefe de Estado, endossando os seus ministros — brigando comigo pois "Damares está lá na luta pelos gays, coisa que NINGUÉM antes fez" (desonesto ou sem noção? Os dois) — e ainda sendo reconhecido pelos seus amigos pelo nome Daquele-Que-Não-Nomeamos. Eu, já cansado, num dia de mais briga — que começou depois de ele desviar um papo em que eu falava sobre a MINHA faculdade, a MINHA carreira —, eu afirmei que "fácil demais falar que está do lado do seu filho, que ama ele, quando fica defendendo um cara que já deixou bem claro os seus posicionamentos, inclusive falando que mataria o próprio filho se este fosse gay".

A última gota d'água foi bem hoje, no momento de confissões logo após meus pais anunciarem que estavam se separando — e, de novo, depois de uma outra briga (dessa vez enquanto eu e minha mãe conversávamos sobre o SUS, sem sequer ter mencionado a atual ideia do Digníssimo lá) —, em que ele disse o seguinte: "Você quer se vestir de mulher, você quer namorar, você quer fazer o que bem entender e eu nunca disse nada."

Bem, dizer nada é o mínimo que ele me devia, mas será que é verdade? Será que quando eu tive que escutar, com minha mãe tentando colocar panos quentes, que meu pai basicamente só não gostava do jeito "escandaloso" de um amigo meu era dizer nada? Será que eu ver como ele ficava comigo usando "roupas de mulher" era dizer nada? Será que eu ouvir que se eu trouxesse um namorado pra casa, ele não iria dormir aqui é dizer nada? Será que aquela última frase dele ali em cima é dizer nada?

Eu acho que não.

Querer agir como se soubesse mais sobre as questões LGBTQs que o próprio filho gay não é "não dizer nada". Desrespeitar a vivência do seu filho não é "não dizer nada". Defender um cara abertamente LGBTQfóbico não é "não dizer nada". Sabe? Porra, abaixa a bolinha aí, meu filho.

Fala tanto sobre respeito, tanto sobre sermos filhos dele e devermos respeito a ele, mas esquece que também nos deve respeito. Você só vai receber o meu respeito (e olha que até mesmo independentemente disso ele recebe), se me respeitar. Do contrário, pode calar a boquinha. Antes de ser seu filho (o que parece que, às vezes, nem passa na sua cabeça), eu sou um ser humano que merece o MÍNIMO de consideração. Pode discordar dos meus posicionamentos políticos, pode não gostar do que eu falo, mas tem que me respeitar. Infelizmente, não é esse o caso. Mas, né, fácil me elogiar pros amigos, falar como eu sou inteligente pra eles, mas aqui dentro de casa chegar sempre com cinquenta pedras na mão deixando claro como EU não sei de nada, como ELE é inteligente, como ELE sabe de tudo...

Vai se foder.

Vai te foder por ter me feito sofrer tanto a ponto de você ter conseguido envenenar o meu amor por ti. Vai te foder por ter me feito perder o pai que eu achava que eu tinha. Vai te foder por não estar mais no meu futuro — e sequer ter tentado. Vai se foder (junto do seu egocentrismo) que, enquanto isso, eu vou me amar.

mais uma vez essa fotinha porque sim, eu simplesmente amo ela

Comentários

  1. Comecei por esse e que vontade de abraçar esse baby da foto e essa pessoa de hoje, os dois merecem não só abraços como serem respeitados. Eu sou muito sonhadora, ou muito iludida, mas preciso acreditar que um dia você terá todo respeitados que merece.

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    1. VEM DE ABRAÇO SIM!!!

      Uma pena que por aqui não dá pra usar emoji porque eu tô a variação de pelo menos uns 3, eu tô emotivo <3<3<3<3<3

      Muito obrigado, de verdade, isso significa muito.

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